O que não faltam é histórias sobre as peripécias que uma certa pessoa com deficiências coordenatórias (Eu, presente!) já protagonizou. Mas hoje eu quero contar uma história da qual eu faço parte, mas não protagonizo.
Confesso que fico feliz que histórias como essa existam, porque quando eu me pego pensando “why god, why”, explicações como: “por causa das vacas no coreto, minha filha” satisfazem minhas inquietações sobre a forma sarcástica divina de condução da minha vida.
Eu era pequena (sim, esse dia existiu) e meu irmão um bebê. Nós morávamos em uma casa que seria de esquina não fosse o lote do lado, que se manteve desocupado por mais todos os anos que moramos ali.
Antes de prosseguir, devo fazer uma observação sobre meu irmão. Sabe quando você ouve uma mãe falando sobre o seu filho: “Esse minino chorava dia e noite sem parar!” Aí você pensa: Que exagero! Isso aí é emprego desnecessário de hipérbole. Nem um bebê girafa tem garganta pra chorar tanto. Nem o filhote do capeta é sádico a esse ponto. Nem o Neymar é chorão nesse nível.
Pois então, meu irmão era uma girafa demoníaca chamada Neymar. Porque o moleque era movido a lágrima e grito. Chorava comendo, chorava com a boca na teta, chorava dormindo. Enfim, digamos que se existisse uma maratona do choro, ele tinha ganhado todas as provas, incluindo a corrida com obstáculos.
Uma noite, meus pais já tinham nos colocado pra dormir e por motivos sobrenaturais, isso realmente aconteceu. Fico imaginando a satisfação da minha mãe ao viver o sonho de assistir o Cid Moreira no Jornal Nacional dizer boa noite e responder outra coisa além de “só se for pra você”.
Acontece que tínhamos cães, dois pastores. E eles não compreendiam quão complexa era a tarefa de fazer uma girafa demoníaca chamada Neymar (ok, espero realmente que meu irmão não esteja lendo esse texto) dormir. E eles decidiram que era uma boa hora para latir.
Aborrecer-se com cães pastores que latem é a mesma coisa que aborrecer-se porque a Mulher Melancia rebola. Mas acontece que horas de latido (ou rebolado) incessante é uma coisa que causa incômodo. Minha mãe já tinha passado da fase do simples incômodo pro CHAMEM AS AUTORIDADES, É CASO DE GIRAFA DEMONÍACA nos primeiros 5 minutos de barulho. Meu pai, notando que a latição (engraçado, eu sempre usei essa palavra e descobri hoje que ela não existe) não era capricho canino, foi averiguar o motivo.
Quando chegou no quintal, percebeu que os cães não eram os únicos a fazer barulho. Subiu no muro e viu cerca de 20 vacas (VACAS!) pastando no lote do lado.
Pausa: Outro dia eu vi no Twitter um cara de São Paulo ficar todo impressionado porque tinha um passarinho piando na janela. Só digo uma coisa: AMADOR.
Enquente rápida.
Você tem um filho que chora incessantemente que por milagre ainda está dormindo, uma esposa tendo um ataque, cães pastores que não param de latir e vacas no terreno ao lado da sua casa.
Você:
a) Senta e chora
b) Acorda seu filho pra ele começar a chorar logo e acabar com a agonia da espera
c) Finge loucura, junta-se aos cachorros e passa a latir também
d) Vai buscar a espingarda 12 no seu quarto
Meu pai é do tipo bronco. Meu pai gosta do Chuck Norris e Charles Bronson. Meu pai tem cara de mau. Meu pai tinha uma 12. Foi lá, pegou a espingarda e como ele tem amor ao dinheiro, aos animais e a política da boa vizinhança: atirou pro alto.
Francamente, não sei o que ele pensou. Vai ver ele achou que vacas fossem como aquelas ovelhas que paralisam de susto e caem durinhas e quietinhas no chão.
A quem eu quero enganar? Steven Seagal pensa? Silvester Stallone pensa? Maluf pensa? Não, eles fazem!
Meu pai foi lá, todo espertão, deu um tiro maroto e discreto de 12 pro alto, e não pensou que as vacas iam sair correndo para as colinas, correndo pela vida delas. O importante é que depois disso, ele dormiu o sono dos justos, bem como a girafa demoníaca chamada Neymar.
(Chegamos justamente, na minha parte preferida da história)
No outro dia de manhã, tomou café da manhã satisfeito com sua proeza e genialidade, pegou o Paimóvel e foi trabalhar.
Minha mãe, ocupou-se com os afazeres domésticos, ligou o radinho e foi ouvindo as notícias:
“ por motivo ainda desconhecido, foram encontradas mais de 10 espalhadas pelos bairros A e B...” – aumentou o volume - “no posto de saúde, na E.M.E.I. Dois moradores ligaram para a polícia para pedir a remoção dos animais de frente de suas casas” – Por favor, não diga que são as... - “ ... VACAS ao redor do coreto da praça e em frente a igreja. Causaram tumulto em frente ao colégio, impedindo a entrada dos alunos para as aulas do período da manhã”.
Freud explica? O caramba!
O código genético explica.