sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Herança genética e vacas.



O que não faltam é histórias sobre as peripécias que uma certa pessoa com deficiências coordenatórias (Eu, presente!) já protagonizou. Mas hoje eu quero contar uma história da qual eu faço parte, mas não protagonizo.
Confesso que fico feliz que histórias como essa existam, porque quando eu me pego pensando “why god, why”, explicações como: “por causa das vacas no coreto, minha filha” satisfazem minhas inquietações sobre a forma sarcástica divina de condução da minha vida.

Eu era pequena (sim, esse dia existiu) e meu irmão um bebê. Nós morávamos em uma casa que seria de esquina não fosse o lote do lado, que se manteve desocupado por mais todos os anos que moramos ali.
Antes de prosseguir, devo fazer uma observação sobre meu irmão. Sabe quando você ouve uma mãe falando sobre o seu filho: “Esse minino chorava dia e noite sem parar!” Aí você pensa: Que exagero! Isso aí é emprego desnecessário de hipérbole. Nem um bebê girafa tem garganta pra chorar tanto. Nem o filhote do capeta é sádico a esse ponto. Nem o Neymar é chorão nesse nível.
Pois então, meu irmão era uma girafa demoníaca chamada Neymar. Porque o moleque era movido a lágrima e grito. Chorava comendo, chorava com a boca na teta, chorava dormindo. Enfim, digamos que se existisse uma maratona do choro, ele tinha ganhado todas as provas, incluindo a corrida com obstáculos.

Uma noite, meus pais já tinham nos colocado pra dormir e por motivos sobrenaturais, isso realmente aconteceu. Fico imaginando a satisfação da minha mãe ao viver o sonho de assistir o Cid Moreira no Jornal Nacional dizer boa noite e responder outra coisa além de “só se for pra você”.
Acontece que tínhamos cães, dois pastores. E eles não compreendiam quão complexa era a tarefa de fazer uma girafa demoníaca chamada Neymar (ok, espero realmente que meu irmão não esteja lendo esse texto) dormir. E eles decidiram que era uma boa hora para latir.
Aborrecer-se com cães pastores que latem é a mesma coisa que aborrecer-se porque a Mulher Melancia rebola. Mas acontece que horas de latido (ou rebolado) incessante é uma coisa que causa incômodo. Minha mãe já tinha passado da fase do simples incômodo pro CHAMEM AS AUTORIDADES, É CASO DE GIRAFA DEMONÍACA nos primeiros 5 minutos de barulho. Meu pai, notando que a latição (engraçado, eu sempre usei essa palavra e descobri hoje que ela não existe) não era capricho canino, foi averiguar o motivo.
Quando chegou no quintal, percebeu que os cães não eram os únicos a fazer barulho. Subiu no muro e viu cerca de 20 vacas (VACAS!) pastando no lote do lado.

Pausa: Outro dia eu vi no Twitter um cara de São Paulo ficar todo impressionado porque tinha um passarinho piando na janela. Só digo uma coisa: AMADOR.

Enquente rápida.
Você tem um filho que chora incessantemente que por milagre ainda está dormindo, uma esposa tendo um ataque, cães pastores que não param de latir e vacas no terreno ao lado da sua casa.
Você:
a)   Senta e chora
b)   Acorda seu filho pra ele começar a chorar logo e acabar com a agonia da espera
c)    Finge loucura, junta-se aos cachorros e passa a latir também
d)   Vai buscar a espingarda 12 no seu quarto

Meu pai é do tipo bronco. Meu pai gosta do Chuck Norris e Charles Bronson. Meu pai tem cara de mau. Meu pai tinha uma 12. Foi lá, pegou a espingarda e como ele tem amor ao dinheiro, aos animais e a política da boa vizinhança: atirou pro alto.
Francamente, não sei o que ele pensou. Vai ver ele achou que vacas fossem como aquelas ovelhas que paralisam de susto e caem durinhas e quietinhas no chão. 
A quem eu quero enganar? Steven Seagal pensa? Silvester Stallone pensa? Maluf pensa? Não, eles fazem!
Meu pai foi lá, todo espertão, deu um tiro maroto e discreto de 12 pro alto, e não pensou que as vacas iam sair correndo para as colinas, correndo pela vida delas. O importante é que depois disso, ele dormiu o sono dos justos, bem como a girafa demoníaca chamada Neymar.
(Chegamos justamente,  na minha parte preferida da história)
No outro dia de manhã, tomou café da manhã satisfeito com sua proeza e genialidade, pegou o Paimóvel e foi trabalhar.
Minha mãe, ocupou-se com os afazeres domésticos, ligou o radinho e foi ouvindo as notícias:
“ por motivo ainda desconhecido, foram encontradas mais de 10 espalhadas pelos bairros A e B...” – aumentou o volume - “no posto de saúde, na E.M.E.I. Dois moradores ligaram para a polícia para pedir a remoção dos animais de frente de suas casas” – Por favor, não diga que são as... - “ ... VACAS ao redor do coreto da praça e em frente a igreja. Causaram tumulto em frente ao colégio, impedindo a entrada dos alunos para as aulas do período da manhã”.

Freud explica? O caramba! 
O código genético explica.


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Um texto sobre mim e sobre você


Essa semana uma amiga me surpreendeu com uma expressão no mínimo peculiar: “Por favor, me ajude. Preciso da sua Sinceridade Celisesca* para opinar sobre uma questão da minha vida”.

Às vezes eu me pego pensando que algumas pessoas vêm pra esse mundo agraciadas com o dom divino de fornecer o ouvido banco de praça. É aquele ouvido onde quem está cansado de andar pára pra descançar um pouquinho. Ou pra fazer uma horinha. E ele cumpre tão bem a função dele, que é o de estar alí, sempre a disposição de quem precisa. Mas também, não faz mais do que cumprir a sua obrigação de descanso providencial, e é por isso que muitas vezes, ele faz tanto sucesso.
Nem todos possuem o ouvido banco de praça, vocês sabem disso. Mas isso só acontece porque geralmente, o ouvido banco de praça é incompatível com outro dom divino: a língua Barsa (e quem nasceu antes depois de 1985 provavelmente não vai entender essa analogia). A língua Barsa tudo sabe, tudo viu, tudo entende. A língua Barsa não deixa o ouvido banco de praça exercer sua função de descanso. Ela quer falar, ela quer opinar, ela quer encontrar uma solução. Às vezes ela ajuda. Às vezes ela atrapalha. Muitas vezes ela está desatualizada. Muitas vezes ela está ultrapassada. Mas outras vezes justamente por ser velha e por ter visto tanta coisa se passar e passar por ela, no final das contas, a língua Barsa estava certa desde o princípio.

Quase sempre vêm me pedir conselhos. Sobre a vida amorosa, sobre amigos, sobre emprego. Não sei bem o que eu sou, se sou mais ouvido ou se sou mais língua. Ou se sou um pouco dos dois.
O mais importante é que eu aprendi a distinguir quando procuram em mim uma poltrona confortável, ou uma enciclopédia cheia de soluções e alternativas. De qualquer forma, a vida me ensinou que nunca é sábio interferir diretamente na vida de alguém. Deus é mais criativo do que você imagina e projetou no ser humano uma infinidade de possibilidades. É ingenuidade demais querer aconselhar outra pessoa baseando-se nas próprias experiências. É ingenuidade demais querer aconselhar outra pessoa baseando-se nas experiências alheias.
Porque o mundo tem essa necessidade constante de análise e interpretação? Porque um gesto qualquer, simples ou complexo não pode significar somente o que ele é? Um bom dia apaixonado pode ser um bom dia apaixonado e não sinônimo de culpa. Um pedido de desculpas pode ser um pedido de desculpas e não desencargo de consciência. Um abraço apertado pode ser vontade de não deixar ir embora e não demonstração de posse. Uma justificativa por não ter aparecido pode ser verdadeira. Um “eu te adoro, sempre te adorei e vou continuar te adorando” pode ser amor verdadeiro e não utopia.
Que direito uma língua Barsa tem de sentenciar esses fragmentos de vida alheios?  Um capítulo mal interpretado, e a língua Barsa pode reescrever histórias inteiras.

Tenho um defeito grave.
Quando tudo o que eu quero é um ouvido poltrona, coloco a minha língua Barsa pra funcionar contra mim. Não é proposital, ela com o passar dos anos, ganhou autonomia. Faz pesquisa e reescreve meus capítulos.
O que é meio injusto, já que a sinceridade Celisesca é bem altruísta. Trabalha sempre em prol do próximo e raramente ao meu favor.

Vou dar o único conselho que vale a pena ser seguido, e esse está escrito em todas as línguas Barsa e rabiscado a canivete nos ouvidos bancos de praça.
O único conselheiro sincero e verdadeiro é seu coração. No fundo, ele sempre sabe o que é melhor pra você. E você percebe que ele sabe, porque ninguém consegue confundir esse sintoma tão comum: ele avisa acelerando.




* Celisesca: característica típica da Celise. No caso, eu mesma.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Diálogos Memoráveis.

- Jaque, tamo numa rotisserie, não é o melhor lugar pra escolher um chaveiro novo.
- Mas eles são tão bonitinhos, Celise. Olha esse do galo... [♫ CÓCÓRICÓÓÓÓ]
- Olha lá a Priscila, Jaque. Tá com dor no braço de segurar o bolo que a gente comprou. Escolhe logo.
 FUNG. [ Vendedora impaciente com Jaqueline apertando todos os chaveiros]
♫ AU-AU, MIAU, RUAAAAAAARRRRR, RONC-RONC, QUICK-QUICK
- Ah, Cel! Tô em dúvida, gostei desse do galo que cacareja. Combina comigo chegando de manhã.
Eu gostei desse da vaca. [♫ MUUUUUUUUUUUU]
- É, pensando melhor... esse da vaca tá mais discretinho, né?
- Jaque, meu bem. DISCRETO? É um chaveiro de VACA, DOURADO, COM TETA ROSA, QUE MUGE!