sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Um texto sobre mim e sobre você


Essa semana uma amiga me surpreendeu com uma expressão no mínimo peculiar: “Por favor, me ajude. Preciso da sua Sinceridade Celisesca* para opinar sobre uma questão da minha vida”.

Às vezes eu me pego pensando que algumas pessoas vêm pra esse mundo agraciadas com o dom divino de fornecer o ouvido banco de praça. É aquele ouvido onde quem está cansado de andar pára pra descançar um pouquinho. Ou pra fazer uma horinha. E ele cumpre tão bem a função dele, que é o de estar alí, sempre a disposição de quem precisa. Mas também, não faz mais do que cumprir a sua obrigação de descanso providencial, e é por isso que muitas vezes, ele faz tanto sucesso.
Nem todos possuem o ouvido banco de praça, vocês sabem disso. Mas isso só acontece porque geralmente, o ouvido banco de praça é incompatível com outro dom divino: a língua Barsa (e quem nasceu antes depois de 1985 provavelmente não vai entender essa analogia). A língua Barsa tudo sabe, tudo viu, tudo entende. A língua Barsa não deixa o ouvido banco de praça exercer sua função de descanso. Ela quer falar, ela quer opinar, ela quer encontrar uma solução. Às vezes ela ajuda. Às vezes ela atrapalha. Muitas vezes ela está desatualizada. Muitas vezes ela está ultrapassada. Mas outras vezes justamente por ser velha e por ter visto tanta coisa se passar e passar por ela, no final das contas, a língua Barsa estava certa desde o princípio.

Quase sempre vêm me pedir conselhos. Sobre a vida amorosa, sobre amigos, sobre emprego. Não sei bem o que eu sou, se sou mais ouvido ou se sou mais língua. Ou se sou um pouco dos dois.
O mais importante é que eu aprendi a distinguir quando procuram em mim uma poltrona confortável, ou uma enciclopédia cheia de soluções e alternativas. De qualquer forma, a vida me ensinou que nunca é sábio interferir diretamente na vida de alguém. Deus é mais criativo do que você imagina e projetou no ser humano uma infinidade de possibilidades. É ingenuidade demais querer aconselhar outra pessoa baseando-se nas próprias experiências. É ingenuidade demais querer aconselhar outra pessoa baseando-se nas experiências alheias.
Porque o mundo tem essa necessidade constante de análise e interpretação? Porque um gesto qualquer, simples ou complexo não pode significar somente o que ele é? Um bom dia apaixonado pode ser um bom dia apaixonado e não sinônimo de culpa. Um pedido de desculpas pode ser um pedido de desculpas e não desencargo de consciência. Um abraço apertado pode ser vontade de não deixar ir embora e não demonstração de posse. Uma justificativa por não ter aparecido pode ser verdadeira. Um “eu te adoro, sempre te adorei e vou continuar te adorando” pode ser amor verdadeiro e não utopia.
Que direito uma língua Barsa tem de sentenciar esses fragmentos de vida alheios?  Um capítulo mal interpretado, e a língua Barsa pode reescrever histórias inteiras.

Tenho um defeito grave.
Quando tudo o que eu quero é um ouvido poltrona, coloco a minha língua Barsa pra funcionar contra mim. Não é proposital, ela com o passar dos anos, ganhou autonomia. Faz pesquisa e reescreve meus capítulos.
O que é meio injusto, já que a sinceridade Celisesca é bem altruísta. Trabalha sempre em prol do próximo e raramente ao meu favor.

Vou dar o único conselho que vale a pena ser seguido, e esse está escrito em todas as línguas Barsa e rabiscado a canivete nos ouvidos bancos de praça.
O único conselheiro sincero e verdadeiro é seu coração. No fundo, ele sempre sabe o que é melhor pra você. E você percebe que ele sabe, porque ninguém consegue confundir esse sintoma tão comum: ele avisa acelerando.




* Celisesca: característica típica da Celise. No caso, eu mesma.

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