O sofá da discórdia.

Quando eu estudava no colegial, odiava férias. Férias pra mim, era sinônimo de inferno astral. Ao contrário dos outros aborrecentes que tinham muito mais tempo para aborrecer a humanindade, eu trabalhava. E não bastasse trabalhar nos dias comerciais, em horário comercial, eu trabalhava de sábado também. Aliás eu trabalhava mais de sábado do que qualquer outro dia. Ah, claro, esqueci de citar o fator determinante para meu ódio-de-férias ser justificável: eu trabalhava pro meu pai. Traduzindo: -Pagamento? Eu já te dou casa, comida e roupa lavada!

E foi em um final de ano triste atrás da mesa da recepção, que ele apareceu, uma doação.
Ele era grande, desajeitado, era óbvio que não ia combinar nem na sala da Bruxa do 71. Mesmo assim, meu pai com seu grande senso de decoração, fez 3 marmanjo carçudo empurrar o sofá de 3 lugares escada acima, para a cozinha-área-de-descanso, onde já haviam 2 SOFÁS. Com mais esse, o lugar ficou muito parecido com o depósito de ponta-de-estoque das Casas Bahia do Inferno. Claro que meu pai precisava da confirmação visual do que eu já sabia, quando o sofá apontou na porta de entrada:
- É, não combina. Vamos descer com ele.
Lá se foi grande presente grego fofo e vinho, descendo os 4 lances de escada. "E agora?" Eu pensei: certeza que vai pra chácara, porque tudo que é entulho, que não combina, mas que desperta um dó interior de ser desfeito, vai pra chácara.
- Já sei, acho que vou levar pra chácara! - UHU! Novidade, pai.
Como já era tarde, resolvemos levá-lo pra casa naquele dia, e logo pela manhã ele seria entregue a seu destino final. Muito jeitosamente, ele foi colado na caçamba da caminhonete, e não fosse por um braço, ele teria encaixado direitinho. O braço ficou levantadão, esticado, uma grande ponta de iceberg emergindo de dentro da caçamba.
- Essa ponta não vai passar na garagem de casa.
- Orra pai... Passa sim, o portão é grande.
- Não passa... quer apostar quanto? Se essa merda desse sofá enroscar, vocês vão ver!
Porque essa ameaça recorrente do "você vai ver"? Acho isso uma tremenda bobagem, já que eu estava me divertindo com a hipótese da caminhonete ficar entalada na entrada de casa, por causa de um sofá, escolhido com o mesmo bom gosto que o Agostinho da "Grande Família" escolhe as roupas.
Término de expediente, fomos embora transportando o sofá da discórdia, ENCAIXADO estrategicamente na caçamba da F-1000. Viemos conversando sobre tudo que você possa imaginar, exceto o sofá.
Quando paramos em frente de casa, e meu irmão desceu pra abrir o portão, meu pai exerceu sua autoridade e experiência pra nos agraciar com mais uma de suas célebres citações:
- QUERO SÓ VER SE A CAMINHONETE VAI PASSAR NA GARAGEM!
Meu irmão deu dois passos na direção do portão, e mais 3 de volta para caminhonete:
- Pai, tenho CERTEZA ABSOLUTA que a caminhonete consegue passar.
- Ahhh, tá sabidão... como que você tem certeza?
- Porque o sofá NÃO ESTÁ AÍ ATRÁS MAIS.

WHAT THE HEEEELLLLLLLLLLLLLL?
Meu cérebro tava processando a informação. E é bem provável que o do meu pai também, já que bastava só ele olhar pra trás para comprovar o fato. Mas ele desceu da caminhonete, apoiou na beirada da caçamba, e enfiou a cabeça dentro. Acho que na esperança de achar o sofá brincando de pique-esconde nas ripas do fundo.
Eu não aguentei, eu ri mais do que uma hiena com cosquinha no sovaco. Perder clipes e guarda-chuva, vá lá...
- DO QUE VOCÊ TÁ RINDO, CELISE? PUTA QUE PARIU...
- EU PERDI UM SOFÁ DE 3 LUGARES. HAHAHAHA!