terça-feira, 9 de março de 2010

Sobre o tempo

Se você quiser entender o tempo, compre um cachorro.
As vezes ele se mostra tão chato e pedante, na recepção de um consultório por exemplo. As vezes ele é tão decepcionante, em um brinquedo do parque de diversão. "Nossa, mas já acabou?".
Mas você não se dará conta de como ele é implacável, se nunca tiver um cachorro.
Não funciona assim com os humanos. Com os humanos, o tempo é mais generoso. Eu diria que com os humanos o tempo é cúmplice da vida, eles trabalham juntinhos:
_ Tempo, por favor, você poderia implantar mais cabelos brancos no senhor do 307?
_ Pois não, Vida. É pra já.
_ Tempo, você poderia tornar a respiração daquela senhora mais trabalhosa quando ela realizar exercícios físicos?
_ Sim, posso sim, Vida.
_ Tempo, implante por favor, 3 rugas ao lado de cada olho daquela mulher de 45 anos lá embaixo.
_ Adoro quando me pede trabalhos artísticos, Vida!

O tempo dá sinais de que a vida já não é mais tão longa pra nós. O tempo vem nos mostrar gentilmente que já não dá mais pra dizer: no futuro, daqui alguns anos, um dia quem sabe...
Mas com ela não foi assim.
Um dia ela  pulava pelo quintal. Me acordava 6 horas da manhã pra pedir pão. Era o único cachorro que eu conhecia que sorria, quando chegávamos no portão. Ela chorava aflita quando via que finalmente tínhamos chegado, que era domingo a noite e que passaríamos finalmente a semana toda alí, do seu lado.
Um dia, ela era vaidosa. Pedia elogio quando estava toda cheirosa, e ai de quem ignorasse seus lacinhos cor-de-rosa.
_ Kikinha, como você está bonita! Como você está bonita, Kikinha!
Ela entendia tudo o que eu dizia, eu ensinava e mesmo não esperando que desse certo, ela aprendia.
Um dia ela tinha 14 anos:
_ Mãe, essa cachorra vai durar pra sempre. Tem 14 anos com corpinho de adolescente.
No outro, ela já não estava tão disposta, no outro menos, no outro menos.
O tempo não é generoso com cachorros. Mas acho que ele foi menos comigo. Ele não me avisou, não deu rugas, não me deu espaço. Um dia ela corria, no outro não. Um dia ela sorria, no outro não. Um dia ela vivia, hoje não.

Se você quiser entender o tempo, compre um cachorro.
Mas prepare-se porque entender o tempo, dói demais.

3 comentários:

  1. Que lindo Ce...Lamento pelo fato que te fez escrever tudo isso...
    Mas digo lindo por que é esse o grande mistério da vida, fazer com que nos compreendamos coisas muito maiores do que o simples fato. Seu texto tem uma beleza singular, poeta nata :)
    Utãoo da Katyu

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  2. Pouts, Celise! Que texto lindo!
    Eu sinto muitissimo e concordo com tudo!

    Beijão!

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